terça-feira, 25 de setembro de 2007

Para onde vai a Justiça?

Uma notícia, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística, informava que o número de arguidos em Portugal ascendia a 104.969 no final de 2004, ou seja, cerca de 1% da população do país tinha este estatuto, que começa constituir a marca de água da cidadania. De uma cidadania dividida entre os bons, os que administram a justiça em nome do povo e os maus, o próprio povo a quem os democratas de Abril e os militares retiraram o poder de escolher, por voto secreto e universal, aqueles que administrariam a tal justiça.
Traduzindo este percentual em números mais legíveis, um em cada cem portugueses é arguido. Para um País que, até há pouco tempo, não se encontrava confrontado por uma criminalidade violenta não está mal.
A este propósito, e face às críticas de José Sócrates imputando ao PSD a responsabilidade por criar um factor de perturbação na sociedade, empolando o clima de criminalidade que se vive e que os serviçais do Governo nos media não conseguem evitar que se noticie, lembro a histeria de António Guterres quando a sua mulher foi assaltada à porta de sua casa. Quando o Governo era do PSD e os índices de criminalidade bem mais reduzidos do que neste tempo de descontrolo na segurança dos cidadãos.
Mas, voltando à estatística, que não mente, torna-se verdadeiramente ridículo e ridiculariza a justiça, pensar-se que um em cada cem portugueses é arguido. Que conceito é este que, em nome de uma suposta defesa dos direitos, liberdades e garantias, transforma os cidadãos em suspeitos da prática de um crime, qualquer que seja a circunstância, a factualidade e as envolventes do caso.
O novo Código de Processo Penal vem alterar, ligeiramente, esta situação, obrigando, em certas situações, à validação judicial da constituição de arguido.
Não nos podemos esquecer que para a generalidade das pessoas o arguido é um criminoso, condenado e culpado.
Nãos nos podemos esquecer que a nossa sociedade está mais mesquinha, mais triste, mais salazarenta, mais ignorante e mais autofágica.
Vivemos num tempo de depressão, com um aumento exponencial do consumo de anti-depressivos e os cidadãos descarregam as suas frustrações nas pequenas maledicências nascidas do impacto da mediatização da justiça.
Talvez fosse tempo de, nas críticas que se fazem ao Código de Processo Penal, incluir a necessidade de se alterar o conceito de arguido, de forma a que só fosse constituído arguido a pessoa sobre quem recaíssem fortes indícios da prática de um crime e não quem fosse objecto de uma qualquer queixa ou investigação sem bases sólidas para levar a uma acusação.
Ainda quanto ao novo Código de Processo Penal, o maior dos erros do legislador socialista foi o de não ter aceite a proposta do PSD em deferir a entrada do Código para Janeiro de 2008. Seria mais racional e permitiria limar algumas arestas, sem pôr em causa as alterações introduzidas que, não sendo as ideais, como acentuou, serenamente, o Presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses, António Martins, melhoram o que já existia.
Outro dos erros, foi o de não se ter tido coragem política para alterar o conceito de prisão preventiva. A condenação em primeira instância deveria ser a referência limite para aquele conceito. Poder-se-ia dizer que, com uma medida destas, o princípio da presunção de inocência estaria colocado em crise. Discordo, porque apenas seria uma alteração técnica, a qual tinha, obrigatoriamente, de ser acompanhada de prazos rigorosos e curtos para as decisões das instâncias superiores, dando cumprimento a um dos princípios fundamentais de um Estado de Direito, o de uma justiça célere e eficaz.
Outra nota vai para aqueles que clamam contra a libertação de presos em prisão preventiva, já condenados em primeira instância.
Concordo que a libertação, imediata, de alguns desses arguidos, já condenados em primeira instância, vai causar alarme público e coloca em causa a credibilidade da justiça e do Estado.
No entanto, o alarmismo de alguns responsáveis das polícias e do ministério público não passa disso mesmo, porquanto, quer o código revogado, quer o actual, contempla algumas medidas travão para os casos de criminalidade mais grave, que podem continuar, salvo erro, a serem aplicadas.
Quanto ao alarmismo, volto à serenidade de António Martins, que prestou um bom serviço à Justiça, colocando o dedo nas feridas do sistema, mas sem alimentar a onda de alarme público.
O nosso tempo, este mundo informatizado e global, com crime e negócios à escala global, justifica a necessidade de se romper, de vez, com o passado, e criar códigos simples, eficientes e que permitam a realização da justiça. Do Processo Civil ao Processo Penal é tempo de rasgar um passado ilustre, mas que não responde às necessidades actuais da litigância. Com remendos não vamos lá. Apenas criamos mais problemas.
Quanto ao mais, não se compreende, nem se pode aceitar que, num Estado de Direito, entre a investigação, a acusação e a decisão final, com trânsito em julgado, um processo demore anos. Mesmo para casos complexos, como os da criminalidade económica. Para isso existem peritos que podem contribuir com o seu saber para o apoio técnico indispensável à prossecução dos objectivos do combate à criminalidade. Como não se pode aceitar que, entre o momento da prisão preventiva e o julgamento, decorra mais de três anos.
Talvez fosse útil que alguns responsáveis corporativos metessem a mão na consciência e descessem à terra, reconhecendo a sua culpa nesta matéria.
Até porque não podemos ter um estado dentro do Estado, um estado policial que se impôs ao longo dos anos perante um poder político fraco e sempre comprometido.
Talvez seja tempo de se repensar a estrutura da procuradoria, o seu papel e as suas responsabilidades no combate ao crime organizado, violento, mafioso, ao tráfico de armas e de droga, enfim ao crime de uma sociedade no século XXI, atravessada pelo terrorismo e pela insegurança causada por criminosos cada vez mais perigosos. Cabe ao Governo conceder os meios para este combate e exigir resultados. É isto que os portugueses querem, para voltar a acreditar que vivemos num Estado de Direito, com direitos.
Vítor Fonseca

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