quinta-feira, 18 de outubro de 2007

O Tsunami de Pinto Monteiro


A entrevista de Pinto Monteiro ao semanário Sol desencadeou ondas de choque que, e é esta a minha convicção, foram previstas pelo próprio e devidamente avaliadas para produzir os efeitos que se tornaram evidentes face às múltiplas reacções, desde as corporativas às políticas, passando pela ténue manifestação de inquietação da Ordem dos Advogados.
O próprio Presidente da República classificou as declarações do PGR como “matéria de grande delicadeza”, o que nos dá a dimensão do que foi dito e da sua relevância no quadro da luta pelo poder e dos ímpetos de algumas forças para coarctar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, com recurso a meios ilegítimos e danosos para a democracia formal, porque a outra há muito que já rumou a paragens longínquas.
Pinto Monteiro, que não é ingénuo, nem distraído, deixou um recado claro e inequívoco ao Director da Policia Judiciária e à estrutura que controla as escutas. E o recado é muito simples, deixem-se de brincadeiras, parem de me escutar, que eu sei e escusam de o fazer para me pressionar no que quer que seja.
Isto é, Pinto Monteiro deu dois sinais, um que não tem medo do poder que alguns sectores exercem, à margem da lei, outro que pretende metê-los na ordem.
Em simultâneo, deixou um recado ao poder político, de que se afirma distante e independente que, ou estão com ele, ou deixam de contar com a sua colaboração para acabar com a ilegalidade das escutas em pré-inquéritos, em acções secretas, em actos de mero controlo da vida dos cidadãos, à pesca de algo, nem que seja para exercer uma pressãozinha, através da divulgação dessas escutas, normalmente descontextualizadas e seleccionadas milimétricamente.
E, chegados aqui, entramos na questão do Código de Processo Penal e na penalização da divulgação da transcrição das escutas.
O magno problema desta medida, é que impede os manipuladores das escutas, aqueles que fazem escutas ilegais, de as fornecerem aos jornalistas para, desse modo, assassinarem psicologicamente cidadãos, uma vez que os jornais não as podem transcrever.
Ou seja, aqueles que se apoderaram de um instrumento de controlo da vida dos portugueses e que têm, até aqui, utilizado esse meio a seu belo prazer, perdem esse domínio porque o mensageiro não pode levar a mensagem. E eles, despidos do poder de destruir cidadãos, ficam com uma mão cheia de nada.
Pinto Monteiro foi incisivo e colocou o dedo na ferida que putrefaz o Estado de Direito, isto é, alertou para o facto de a democracia se confrontar com um poder ilegítimo que, em nome da defesa dessa democracia, a corrompe.
Torna-se premente que Pinto Monteiro e o Governo vão mais longe e ponham termo a este cancro antidemocrático.
Vítor Fonseca
vitor.m.fonseca@gmail.com

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