Sócrates e o Medo
"O primeiro-ministro despertou fantasmas do passado ao compreender mal os medos de ameaça à liberdade e por conviver mal com a crítica.
Não sei se hoje há mais medo do poder, um olhar para o lado e para o telemóvel no receio de que “ele está a observar-te”, a escutar-te, a controlar-te e receberás o devido castigo se ‘O’ estiveres a desagradar, em versão orwelliana.
Os casos Charrua e de Vieira do Minho despertaram os fantasmas de quem viveu antes do 25 da Abril. E de quem, mais novo, não o tendo sentido, é hoje mais cosmopolita. Fez Erasmus na Faculdade, conhece a Europa do Norte ao Sul, tem amigos no ‘messanger’ ou nos diversos ‘chats’ que podem ter várias nacionalidades, navega na Internet num mundo variado e ouviu falar da política de censura do Google na China.
É este novo Portugal, com dimensão desconhecida, que determinou a queda de José Sócrates nas sondagens quando se vislumbrou o mínimo sinal de ameaça ao núcleo central da nossa Constituição, o dos direitos liberdades e garantias.
Enquanto se deitavam para trás das costas direitos adquiridos, todos compreenderam que os tempos eram de dificuldade. Quando se levantaram dúvidas sobre o percurso académico do primeiro-ministro podemos ter ficado pelo encolher de ombros levando isso à razão da esperteza – que valorizamos – ou da batalha entre políticos – que em regra desprezamos. E nada aconteceu, naturalmente, à imagem de Sócrates.
Mas a ideia de alguém não poder, entre colegas, dizer mal do primeiro-ministro fez soar o alerta. Sempre o fizemos. Havia as anedotas de Américo Tomás. Após o 25 de Abril, Mário Soares foi sendo alvo das mais variadas caricaturas, a mais conhecida na versão afectuosa do “bochechas” E andámos uma década a dizer mal de Cavaco Silva e a votar nele, voltando a elegê-lo para Presidente da República. Como o mesmo poderá acontecer a Sócrates se souber conviver com a crítica e compreender os fantasmas que despertou.
O primeiro-ministro parece contudo compreender mal os medos e conviver pior com a crítica, as vaias, as anedotas sobre si e até mesmo com a simples discordância. Assim o revela a reacção na entrevista à SIC. Sobre o medo de que falou Manuel Alegre resolveu encontrar uma regularidade estatística – “Escreve um artigo sobre o medo de três em três anos”, disse. Mas não é isso que queremos ouvir. Queremos que o primeiro-ministro nos convença que dá valor à nossa liberdade de o criticar com a mesma convicção com que nos levou a acreditar que os sacrifícios que estamos a fazer são necessários.
Helena Garrido
"Diário Económico" 31 de Julho de 2007
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